segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Alexandre de Moraes e a "Nota Magnitsky": Santo Tomás de Aquino Diria "Bem-Feito"? Uma Análise sobre Justiça e Tirania

A espiral de tensões na política brasileira parece ter alcançado uma nova órbita, desta vez com repercussões internacionais de peso. Uma recente notícia veiculada pelo portal G1, ecoando declarações do ex-presidente americano Donald Trump, trouxe à tona a possibilidade de sanções contra o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, sob a égide do “Ato Magnitsky”. Esta alegação, carregada de simbolismo, acusa o ministro de praticar injustiças sistemáticas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, configurando, na visão dos proponentes, um quadro de perseguição política. Para além do frenesi midiático e das paixões partidárias, tal evento nos convida a uma reflexão mais profunda, a uma análise que transcende o tempo: o que a sabedoria perene de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, nos diria sobre esta situação? Seria lícito, a um católico, sentir um “bem-feito” ou um “acho é pouco” diante da possibilidade de um suposto algoz ser punido por uma força externa?

A questão é complexa e exige que mergulhemos nos princípios da justiça, da lei e da ordem social segundo a filosofia tomista. Este artigo se propõe a fazer exatamente isso: primeiro, delinear os contornos da notícia e, em seguida, iluminar o cenário com a luz inextinguível do Aquinate.

A Notícia: O Fantasma do Ato Magnitsky sobre a Praça dos Três Poderes

Segundo a reportagem do G1, datada de 22 de setembro de 2025, aliados do ex-presidente Donald Trump teriam iniciado um movimento para incluir o nome do Ministro Alexandre de Moraes em uma lista de sanções baseada no Global Magnitsky Act. Esta lei americana, de alcance global, permite ao governo dos EUA punir indivíduos estrangeiros que sejam acusados de violações de direitos humanos ou de atos de corrupção significativos. As sanções são severas, incluindo o congelamento de bens, a proibição de transações financeiras em solo americano e a anulação de vistos de entrada no país.

A alegação central, impulsionada por Trump, é que as decisões monocráticas, os inquéritos prolongados e as medidas cautelares impostas por Moraes contra Jair Bolsonaro e seus apoiadores não representam o devido processo legal, mas sim uma forma de lawfare — o uso da lei como arma para perseguição política. A notícia, como era de se esperar, causou um terremoto em Brasília, gerando reações inflamadas de ambos os lados do espectro político. De um lado, a celebração de que uma instância internacional poderia frear o que consideram abusos de poder; do outro, a veemente condenação do que veem como uma inaceitável interferência estrangeira na soberania do judiciário brasileiro.

A Lei Injusta Não é Lei, mas Violência

Para começar a desatar este nó, precisamos recorrer ao tratado sobre a Lei de Santo Tomás, na Suma Teológica. Para o Doutor Angélico, a lei não é um mero ato de vontade do legislador. Ela tem uma natureza e um propósito. Em suas palavras, a lei é “uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele que tem o cuidado da comunidade” ().

Nesta definição, residem quatro elementos cruciais: a lei deve ser racional, visar o bem de todos (e não de uma facção), ser criada por uma autoridade legítima e ser devidamente comunicada. O ponto nevrálgico da discussão está na finalidade da lei: o bem comum.

Santo Tomás é taxativo ao afirmar que uma lei que se desvia deste propósito perde sua legitimidade. Ele escreve: “A lei injusta, não sendo conforme à razão, não é lei, mas antes uma espécie de violência” (). Em outras palavras, quando um juiz ou legislador utiliza o aparato legal não para servir à justiça e ao bem comum, mas para promover uma agenda pessoal ou perseguir inimigos, seus atos, embora revestidos da aparência de legalidade, são, em sua essência, atos de tirania. Eles não obrigam em consciência, pois, como ensina o Apóstolo, devemos obedecer a Deus antes que aos homens.

Aplicando este princípio ao caso em tela, a primeira pergunta que um tomista faria é: as ações do Ministro Moraes visam o bem comum do Brasil, a paz social e a justiça, ou são um desvio da razão para fins particulares? Se as acusações de lawfare forem factualmente verdadeiras, a conclusão tomista seria inevitável: estaríamos diante de uma corrupção da lei, uma forma de violência institucionalizada.

“Bem-Feito!”: A Virtude da “Vindicta” vs. o Pecado da Vingança

Aqui chegamos ao cerne da reação popular. É lícito um cristão se alegrar com a desgraça de seu adversário? A resposta, como sempre na sã doutrina, exige distinção. Santo Tomás diferencia claramente o pecado da vingança (que nasce do ódio e busca o mal do outro por si mesmo) da virtude da vindicta (reparação ou vindicação), que é um ato de justiça.

A vingança pecaminosa é aquela em que a nossa alegria se concentra no sofrimento do inimigo. É o Schadenfreude, a alegria pelo mal alheio, que é sempre um pecado grave. Contudo, a vindicta, quando ordenada pela razão e pela caridade, é um ato virtuoso. Seu objetivo não é o mal do pecador, mas a correção do erro e a restauração da ordem justa. Santo Tomás explica que é lícito desejar a reparação por um mal sofrido, contanto que o fim seja a preservação da justiça e a coibição de futuras transgressões ().

Portanto, um sentimento de “bem-feito” ou “acho é pouco” pode ser moralmente lícito sob condições estritas. A alegria não deve provir do infortúnio pessoal de Alexandre de Moraes (seus bens congelados, sua reputação manchada), mas sim do fato de que a justiça está sendo restaurada. A satisfação deve ser impessoal, focada no triunfo do bem comum sobre a arbitrariedade. Se um poder que age de forma tirânica é freado e a ordem da justiça é restabelecida — seja por uma força interna ou externa —, a alegria que daí provém é uma alegria pela própria justiça, o que é perfeitamente virtuoso.

O fiel deve, portanto, fazer um rigoroso exame de consciência: “Minha satisfação com a notícia das sanções vem de um ódio pessoal ou partidário contra a figura do Ministro, ou de um amor genuíno pela ordem, pela liberdade e pela justiça, que vejo serem defendidas por esta ação?” A intenção é tudo.

A Tirania e o Recurso à Autoridade Superior

Por fim, Santo Tomás, em sua obra “Do Reino” (De Regno), aborda diretamente a questão da tirania. Embora seja extremamente cauteloso em relação à sedição e à rebelião popular, que podem causar males ainda maiores, ele não deixa o povo sem recurso. Uma das vias legítimas para depor um tirano é recorrer a uma autoridade superior.

Na Idade Média, esta autoridade poderia ser o Papa ou o Sacro Imperador. No mundo secularizado e globalizado de hoje, a dinâmica é outra, mas o princípio permanece. Se uma autoridade nacional abusa de seu poder de forma sistemática, o recurso a uma organização ou poder internacional que age para defender direitos fundamentais (neste caso, o devido processo legal) pode ser visto como uma aplicação análoga do princípio tomista. A “Nota Magnitsky”, nesse contexto, funcionaria como o apelo a essa “autoridade superior” (o poder americano, no caso), capaz de impor freios onde os mecanismos internos falharam.

Conclusão: Um Chamado à Justiça, Não ao Ódio

A notícia sobre a possível sanção a uma das figuras mais poderosas da República, sob a acusação de abuso de poder, é um catalisador para uma profunda reflexão moral e filosófica. A doutrina de Santo Tomás de Aquino, com sua clareza e precisão milimétrica, nos oferece as ferramentas para navegar neste terreno pantanoso.

Ela nos ensina que a lei só é lei quando serve à justiça e ao bem comum; caso contrário, é violência. Ensina-nos também que a reação de satisfação diante da punição de um suposto injusto não é necessariamente pecado. Pode ser um ato virtuoso de amor à justiça, uma vindicta que anseia pela restauração da ordem. O divisor de águas é a intenção do coração: se o nosso contentamento reside no triunfo da verdade e do direito ou se ele se compraz, por ódio, no mal que atinge um desafeto.

Que este episódio, portanto, sirva não para aprofundar o fosso do ódio que divide a nação, mas para elevar nosso olhar, buscando compreender e desejar, acima de tudo, a verdadeira justiça, aquela que é o fundamento da paz e a condição para o florescimento do bem comum.

 

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Tomista, dedico-me ao estudo da Filosofia, que pela luz natural da razão nos eleva ao conhecimento das primeiras causas, e da Teologia, a ciência sagrada que, iluminada pela Revelação, a aperfeiçoa e a ordena ao seu verdadeiro fim. Ambas as ciências são para mim os instrumentos para buscar a Verdade subsistente, que é Deus, o fim último para o qual o homem foi criado.

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