domingo, 22 de junho de 2025

Quaestio de Libertate Loquendi (Questão sobre a Liberdade de Expressão)


Quaestio de Libertate Loquendi

(Questão sobre a Liberdade de Expressão)

Articulus Unicus: Utrum in civitate bene ordinata sit permittenda libera expressio cogitationum, etiam falsarum.

(Artigo Único: Se em uma cidade bem ordenada deve ser permitida a livre expressão dos pensamentos, mesmo os falsos.)


Parece que a livre expressão dos pensamentos, especialmente dos falsos, não deve ser permitida em uma cidade bem ordenada (Videtur quod non).

1. Objecit primum: A lei humana deriva da lei eterna e deve ordenar os homens à virtude. Ora, a virtude suprema do intelecto é o conhecimento da verdade, como ensina o Filósofo [Aristóteles]. Permitir a propagação da falsidade é afastar os homens da virtude e conduzi-los ao vício do erro. Logo, a lei, buscando o bem comum, deve proibir a expressão de falsidades, pois estas são contrárias à retidão da razão e ao bem da alma.

2. Objecit secundum: O bem comum é superior ao bem particular. A paz e a ordem da cidade, que são partes essenciais do bem comum, são perturbadas pela disseminação de doutrinas sediciosas, discursos de ódio e mentiras que corrompem os costumes e a concórdia civil. Assim como o governante tem o dever de proteger os cidadãos de inimigos externos, com maior razão deve protegê-los de inimigos internos que, pela palavra, envenenam o corpo social. Portanto, a expressão de tais conteúdos deve ser reprimida pela autoridade justa.

3. Objecit tertium: A lei humana não proíbe todos os vícios, mas apenas os mais graves, que prejudicam os outros. Ora, a falsidade deliberada, a calúnia e a desinformação causam danos evidentes ao próximo e à comunidade, destruindo a reputação, incitando à violência ou minando a confiança nas instituições. Tais palavras não são meros erros, mas atos pecaminosos com consequências danosas. Logo, o governo tem a obrigação de coibi-los, não podendo tolerar uma liberdade que se torna licença para o mal.


Sed contra (Mas, em contrário), está escrito no Evangelho de Mateus (13,29-30), na parábola do joio e do trigo, que o senhor do campo ordena aos seus servos: "Não o arranqueis [o joio], para que não aconteça que, ao recolher o joio, arranqueis também com ele o trigo. Deixai-os crescer juntos até a colheita". O joio representa o erro e o mal, e o trigo, a verdade e o bem. Logo, na cidade terrena, uma certa tolerância com o erro é necessária para não suprimir a verdade.


Respondeo dicendum quod (Respondo dizendo que), a questão da liberdade de expressão deve ser analisada segundo a razão e a prudência, distinguindo o fim último do homem da condição da sociedade política terrena.

O fim último do homem é a união com Deus, que é a própria Verdade. Contudo, a lei humana não tem por fim proibir todos os vícios, dos quais os homens podem se abster pela virtude, mas apenas aqueles que são mais perniciosos para os outros e sem cuja proibição a sociedade humana não poderia se conservar, como o homicídio e o furto.

A razão humana, por sua natureza, busca a verdade através do discurso e da investigação. É próprio da dignidade do homem, criado à imagem de Deus, chegar à verdade não por coerção, mas pelo exercício de seu próprio intelecto. Uma lei que pretendesse suprimir toda e qualquer expressão de falsidade acabaria por sufocar a própria busca pela verdade. Pois, muitas vezes, a verdade se manifesta mais claramente ao ser contrastada com o erro, e a mente se fortalece ao refutar argumentos contrários.

Ademais, o governo humano deve ser exercido com prudência. E a prudência ensina que, ao tentar extirpar um mal menor, não se deve introduzir um mal maior. Tentar suprimir pela força toda palavra falsa ou dissonante exigiria um poder de vigilância tão vasto e intrusivo que se tornaria tirânico. Tal poder poderia facilmente ser abusado para silenciar não apenas o erro, mas também a crítica justa e a verdade inconveniente aos governantes. O remédio seria, assim, pior que a doença, gerando um mal maior para o bem comum – a saber, a servidão e o fim da investigação racional – do que o mal da circulação de algumas falsidades.

Portanto, embora o Estado deva ordenar-se à verdade e possa, com justiça, punir certos abusos da palavra que causam dano direto e grave ao próximo (como a calúnia ou a incitação direta à violência), não lhe compete controlar o pensamento de seus cidadãos ou estabelecer uma única verdade por meio da força. Deve, antes, cultivar a virtude e a educação, para que os próprios cidadãos se tornem capazes de discernir o trigo do joio, a verdade da falsidade. Uma certa medida de liberdade de expressão, mesmo para o erro, é condição necessária para a paz civil e para o florescimento da própria razão na busca pela verdade.


Ad primum: A lei humana, de fato, visa à virtude, mas o faz de modo pedagógico e proporcional à condição humana. Ela não impõe a perfeição, mas conduz gradualmente os homens à virtude, proibindo primeiro os males mais graves. Forçar a aceitação da verdade pela lei seria contrário à natureza da própria virtude, que requer um ato voluntário da razão e da vontade. A alma não é virtuosa se apenas evita o erro por medo da punição.

Ad secundum: O bem comum certamente inclui a paz, mas esta paz não é a paz do silêncio forçado, e sim a "tranquilidade da ordem" que brota da justiça. Uma ordem que suprime a razão e a investigação não é verdadeiramente tranquila, mas opressiva. A proteção contra doutrinas danosas se dá mais eficazmente pela promoção da sã doutrina e pela refutação intelectual do que pela censura, que muitas vezes apenas desperta a curiosidade pelo proibido e torna os homens incapazes de defender a fé e a razão por si mesmos.

Ad tertium: É preciso distinguir. As palavras que constituem uma ação diretamente lesiva, como a perjúrio em um tribunal ou a calúnia que destrói a honra de um inocente, são com justiça passíveis de punição pela lei civil, pois violam a justiça comutativa. Contudo, as expressões de opiniões filosóficas, científicas ou políticas, ainda que errôneas, pertencem a uma ordem distinta. Tentar legislar sobre toda opinião seria exceder a competência da lei humana, que julga os atos exteriores, e não o foro íntimo do intelecto, e acabaria por causar os males maiores da tirania e da estagnação da sabedoria, como já foi dito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
Tomista, dedico-me ao estudo da Filosofia, que pela luz natural da razão nos eleva ao conhecimento das primeiras causas, e da Teologia, a ciência sagrada que, iluminada pela Revelação, a aperfeiçoa e a ordena ao seu verdadeiro fim. Ambas as ciências são para mim os instrumentos para buscar a Verdade subsistente, que é Deus, o fim último para o qual o homem foi criado.