A cena que o Evangelho de São Lucas (Lc 7,11-17) nos apresenta hoje é de uma dramaticidade pungente: duas multidões se encontram às portas da cidade de Naim. Uma segue o Autor da Vida, Jesus Cristo, em um cortejo de esperança e ensinamentos. A outra acompanha a personificação da dor humana, uma mãe viúva que leva seu filho único à sepultura, um cortejo de desolação e finitude. O encontro desses dois mundos — o da Vida Eterna e o da morte temporal — culmina em um dos milagres mais reveladores da identidade de Nosso Senhor. Através de uma análise tomista, podemos aprofundar a nossa compreensão sobre a ressurreição do filho da viúva de Naim, enxergando nela não apenas um ato de piedade, mas uma profunda lição metafísica sobre a divindade de Cristo, a natureza da compaixão divina e o poder absoluto da Palavra de Deus.
A Compaixão Divina como Causa Motora do Milagre
O texto sagrado nos diz que, ao ver a viúva, "o Senhor sentiu compaixão (ἐσπλαγχνίσθη) para com ela". Para a mentalidade moderna, a compaixão é frequentemente vista como um sentimento passional, uma emoção que nos move. Contudo, na filosofia de Santo Tomás de Aquino, quando atribuímos "paixões" a Deus, devemos fazê-lo por analogia. Deus, como Ato Puro, não possui paixões no sentido de algo que O afete ou mude Seu estado. A compaixão divina, ou misericordia, não é uma emoção passiva, mas sim um ato eficaz da Sua Vontade perfeitamente boa.
Santo Tomás, na Suma Teológica (I, q. 21, a. 3), ensina que a misericórdia é "a tristeza pela miséria alheia". Em Deus, essa "tristeza" não é uma perturbação, mas a vontade ativa e benevolente de afastar a miséria do outro. A miséria, por excelência, é a ausência de um bem devido. A morte, a separação da alma e do corpo, é uma das maiores misérias que a natureza humana, decaída pelo pecado, pode experimentar.
Portanto, a compaixão de Cristo em Naim não é meramente um sentimento humano de pena. É a manifestação visível da Vontade do Deus-Filho que, em Sua natureza humana, sente a dor daquela mulher, e em Sua natureza divina, possui o poder e a vontade de erradicar a causa dessa dor. O milagre, então, não nasce de um impulso, mas flui da própria essência de Deus, que é Bondade e Amor. Ele age não porque é mudado pela miséria da viúva, mas porque, em Sua eterna providência, Ele escolhe manifestar Sua glória e bondade ao remediar aquela miséria específica.
"Jovem, Eu te Ordeno": A Potência da Palavra Divina
O clímax do evento se dá na ordem proferida por Cristo: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te!". Aqui reside uma das provas mais claras de Sua divindade, distinguindo Seus milagres dos realizados pelos profetas do Antigo Testamento. Profetas como Elias (1 Rs 17,17-24) e Eliseu (2 Rs 4,32-37) também ressuscitaram mortos, mas o fizeram como intercessores: eles oraram a Deus, suplicando para que Ele agisse.
Cristo, no entanto, não suplica. Ele ordena. Ele fala com autoridade própria, como quem possui o domínio sobre a vida e a morte. Para Santo Tomás de Aquino, isso demonstra a potentia Dei, o poder de Deus. A palavra de Deus não é como a nossa, que meramente descreve ou solicita. A palavra de Deus é performativa, criadora e eficaz. Como lemos no Gênesis, Deus disse "Faça-se a luz", e a luz foi feita. O Doutor Angélico diria que Dei dicere est Dei facere — o dizer de Deus é o fazer de Deus.
Ao ordenar que o jovem se levante, Cristo age como o próprio Deus, o único que é o Senhor da Vida. A morte é a separação da alma, a forma substancial, do corpo, a matéria. Nenhum ser criado, por si mesmo, tem o poder de reunir essa forma à sua matéria uma vez que a separação tenha ocorrido. Apenas o Criador, a Causa Primeira de todo o ser, que instituiu essa união em primeiro lugar, pode restaurá-la. A ordem de Jesus não é um encantamento mágico; é o comando do Verbo Divino que sustenta toda a criação, reintroduzindo o princípio vital (a alma) no corpo que jazia inerte.
O Milagre e a Ordem da Criação: Uma Visão Metafísica
Um cético poderia ver o milagre como uma "violação" das leis da natureza. Contudo, a perspectiva tomista oferece uma visão mais profunda. As leis da natureza descrevem o modo como as causas segundas (as criaturas) ordinariamente operam. Um milagre, explica Tomás de Aquino, não é uma contradição da natureza, mas um efeito produzido por Deus para além da ordem de toda a natureza criada (praeter ordinem totius naturae creatae).
Deus, como Causa Primeira, não está sujeito à ordem das causas segundas que Ele mesmo instituiu. Ele pode, e o faz em ocasiões especiais por um bem maior, agir diretamente na criação, produzindo um efeito que nenhuma causa natural poderia produzir. A ressurreição de um morto é um milagre desta magnitude. O processo natural da biologia leva à decomposição, não à revivificação. Ao ordenar a volta à vida do jovem, Cristo demonstra que Ele mesmo é o autor e o mestre da ordem natural, não seu prisioneiro. Este evento é uma janela para a realidade metafísica de que todo o universo depende, a cada instante, do poder sustentador de seu Criador. Este poder, que normalmente age através das leis naturais, manifestou-se de forma direta e extraordinária às portas de Naim.
Do Temor à Glorificação: A Resposta Adequada ao Sagrado
A reação da multidão é duplamente significativa: "Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus". O medo aqui não é o pavor covarde, mas o "temor de Deus" bíblico — um assombro reverencial diante da manifestação da majestas Dei, a majestade divina. É o reconhecimento da criatura de que está diante de algo que transcende infinitamente sua compreensão e seu poder. É a mesma reação de Isaías no templo (Is 6,5) ou de Pedro após a pesca milagrosa (Lc 5,8).
Este temor santo é o prelúdio necessário para a adoração autêntica. Ao testemunharem a morte recuar diante de uma simples palavra, as pessoas compreenderam que não estavam diante de um mero curandeiro ou profeta comum. A conclusão deles, "Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo", embora ainda incompleta, aponta na direção certa. Eles perceberam uma intervenção divina direta, uma visitação de Deus em sua história. A glorificação a Deus é, portanto, a consequência lógica e justa do que presenciaram. Eles atribuem o ato ao seu verdadeiro autor: Deus. O que eles ainda precisariam compreender plenamente, ao longo do ministério de Cristo, é que o homem que estava diante deles era, em pessoa, aquele Deus que visitava o seu povo.
Conclusão: Um Sinal da Ressurreição Final
Em suma, o milagre da ressurreição do filho da viúva de Naim é uma catequese densa sobre a identidade de Jesus Cristo. Sob a luz do pensamento tomista, vemos como a compaixão de Cristo é o agir eficaz da Vontade Divina; Sua palavra é o Verbo criador que tem poder sobre a própria morte; e o milagre em si é uma demonstração de Seu senhorio sobre a ordem da criação. Este ato não é apenas a restauração da vida de um jovem para a alegria de sua mãe, mas um sinal poderoso que prefigura a Sua própria Ressurreição — a vitória definitiva sobre a morte — e a promessa da nossa. Diante de nossas próprias "mortes" — nossos pecados, desesperos e aflições — a Palavra de Cristo ressoa ainda hoje com a mesma autoridade e compaixão: "Eu te ordeno, levanta-te!".


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