Um recente estudo da Universidade de São Paulo (USP) trouxe para o debate popular algo que os grandes filósofos medievais já discutiam em profundidade: a relação entre nossas escolhas diárias, nossa saúde e o propósito de nossa existência. A pesquisa, que quantificou em minutos o impacto dos alimentos na longevidade, serve como uma ponte inesperada entre a ciência moderna e a sabedoria atemporal de Santo Tomás de Aquino.
Mas o que o "Doutor Angélico" diria sobre biscoitos recheados que "roubam" minutos de vida e peixes que os "acrescentam"? A resposta reside em duas virtudes fundamentais: a temperança e a luta contra a gula.
A Temperança: A Virtude da Moderação Racional
Para Santo Tomás, a temperança é uma das quatro virtudes cardeais. Ela não significa simplesmente a privação, mas sim a moderação dos apetites e paixões segundo a medida da razão. É a capacidade de desfrutar dos prazeres da vida — como a comida — de forma ordenada, sem se deixar escravizar por eles.
O Estudo da USP como Espelho: Os resultados do estudo podem ser vistos como um reflexo prático dessa virtude. Alimentos que adicionam "minutos de vida", como peixes, feijão e frutas, são geralmente aqueles que a natureza nos oferece de forma mais direta. Seu consumo reflete um apetite ordenado, que busca no alimento a nutrição e a saúde, e não apenas o prazer imediato.
A temperança, na visão tomista, é o que nos permite governar a nós mesmos, colocando a razão no comando dos nossos desejos.
A Gula: Mais do que Apenas Comer Demais
Do outro lado da balança, encontramos o vício da gula. É um erro comum pensar na gula apenas como o ato de comer em excesso. Para Santo Tomás, a gula é um pecado capital porque representa um apego desordenado ao prazer proporcionado pela comida e pela bebida.
Essa desordem pode se manifestar de várias formas:
Comer antes da hora certa.
Buscar iguarias excessivamente caras ou refinadas.
Comer em demasia.
Comer de forma ávida ou voraz.
Comer com demasiada delicadeza ou esmero.
O estudo da USP aponta que os alimentos mais prejudiciais, como os biscoitos recheados e ultraprocessados, são precisamente aqueles criados pela indústria para maximizar o prazer imediato (sabor, crocância, doçura) em detrimento do valor nutricional. Consumi-los habitualmente não é apenas uma "má escolha dietética", mas, sob a ótica tomista, um exercício de gula, onde o prazer desordenado se sobrepõe à razão que busca a saúde do corpo.
O Corpo como Instrumento para uma Vida Virtuosa
Santo Tomás de Aquino não via o corpo como uma prisão para a alma, mas como parte integrante da pessoa humana. Cuidar da saúde física não era um ato de vaidade, mas um dever moral. Um corpo saudável é um instrumento mais apto para a prática das virtudes, para o trabalho, para a oração e para o serviço ao próximo.
Longevidade e Propósito: A busca por uma vida longa, portanto, não deve ser vista como um fim em si mesma. Viver mais, na perspectiva cristã e tomista, é valioso porque oferece mais tempo para amar a Deus, servir aos outros e crescer em virtude. A ciência que nos ajuda a prolongar a vida de forma saudável é, nesse sentido, uma ferramenta valiosa para que possamos cumprir melhor nosso propósito.
Conclusão: A Ciência Confirma a Sabedoria Clássica
Se Santo Tomás de Aquino pudesse analisar os dados da USP, ele provavelmente não ficaria surpreso. Ele veria o estudo não como uma descoberta revolucionária, mas como uma confirmação empírica de verdades filosóficas profundas.
Ele nos diria que os "minutos" ganhos ou perdidos não são apenas números em uma planilha, mas o resultado visível de uma batalha interior: a escolha entre a ordem da temperança, que promove a vida, e a desordem da gula, que a consome.
A pesquisa nos convida, portanto, a ir além da contagem de calorias e a refletir sobre o porquê de nossas escolhas. Ela nos lembra que cada refeição pode ser um pequeno ato de virtude, um passo em direção a uma vida não apenas mais longa, mas também mais plena, ordenada e virtuosa.
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