terça-feira, 4 de novembro de 2025

A Parábola do Grande Banquete e o Chamado à Graça: Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e São Carlos Borromeu

A parábola do grande banquete, narrada por São Lucas, revela o amor de Deus que convida todos à comunhão com Ele. Mas muitos recusam o chamado. À luz de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, compreendemos o sentido profundo desse convite e, na memória de São Carlos Borromeu, somos inspirados a responder com fé e humildade ao banquete da graça.

Neste dia 4 de novembro, a Igreja celebra a memória de São Carlos Borromeu, bispo e grande reformador do século XVI. A liturgia propõe como Evangelho a parábola do grande banquete (São Lucas 14,15-24), uma das mais belas imagens do Reino de Deus e da vida cristã como convite à comunhão divina.

Mas quem são os convidados desse banquete? Por que alguns recusam e outros são acolhidos? E o que essa parábola tem a ver com São Carlos Borromeu? Para compreender isso, é essencial recorrer à sabedoria dos Padres e Doutores da Igreja, especialmente Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino.


O Banquete: imagem do Reino e da Eucaristia

Na parábola, um homem prepara um grande banquete e convida muitos. Quando chega a hora da festa, os convidados começam a dar desculpas: um comprou um campo, outro bois, outro acabou de se casar. Diante da recusa, o anfitrião manda chamar os pobres, cegos, coxos e aleijados, até que sua casa se encha.

Para os santos doutores, o banquete representa o Reino de Deus, e o convite é o chamado à salvação feito por Cristo.
Contudo, essa imagem também possui um sentido sacramental e eucarístico: Deus prepara uma mesa onde Ele mesmo se oferece como alimento — a Eucaristia, o banquete do amor.


Santo Agostinho: o convite recusado e os apegos do coração

Em seus Sermões 112 e 113, Santo Agostinho explica que os primeiros convidados simbolizam o povo de Israel, que recebeu a Lei e os Profetas, mas muitos rejeitaram o Messias.
As desculpas revelam os apegos terrenos que impedem o homem de aceitar o chamado divino:

  • O campo representa o apego às posses;

  • Os bois, o excesso de trabalho e as preocupações mundanas;

  • O casamento, o prazer desordenado e os afetos que desviam o coração de Deus.

Quando o homem se prende às coisas da terra, fecha-se à graça do céu. Por isso, diz Santo Agostinho:

“Deus nos convida ao seu banquete, e o banquete é Ele mesmo. Comei Aquele que vos chama; vivei por Aquele que vos alimenta.”
(Sermão 112,7)

Os pobres e aleijados representam os pecadores arrependidos, os humildes e simples, que reconhecem sua miséria e aceitam o convite. Eles são os que entram no banquete do Reino porque sabem que nada têm a oferecer — apenas o desejo sincero de Deus.


Santo Tomás de Aquino: a ordem da graça e a mesa eucarística

Santo Tomás de Aquino, na Catena Aurea e na Suma Teológica, vê na parábola uma imagem da Ceia do Senhor.
O banquete é o mistério da Eucaristia, onde Cristo se oferece como alimento espiritual.
Os primeiros convidados são os que receberam a luz da fé, mas não vivem segundo ela; os novos convidados são os humildes, penitentes e gentios, chamados pela pura misericórdia divina.

“O banquete é a plenitude da glória; os convidados são chamados segundo a ordem da graça: primeiro os instruídos, depois os penitentes, por fim os ignorantes que Deus atrai pela misericórdia.”
(Catena Aurea, São Lucas 14)

Assim, para Tomás, a parábola reflete a economia da salvação: Deus chama todos, mas poucos respondem com fé viva e coração puro.
O altar da Eucaristia é, portanto, a antecipação do banquete celestial, e cada missa é o eco desse convite eterno: “Vinde, tudo está pronto!”.


São Carlos Borromeu: o pastor que trouxe de volta os convidados

A Igreja propõe essa parábola na memória de São Carlos Borromeu porque ele foi um verdadeiro servo do banquete — um bispo que dedicou sua vida a chamar o povo de volta à mesa do Senhor.
Após o Concílio de Trento, São Carlos liderou uma profunda reforma pastoral e litúrgica, restaurando o respeito à Eucaristia, a formação do clero e a catequese dos fiéis.

Ele entendia que o maior desafio do seu tempo não era a falta de fé, mas o desinteresse espiritual, muito parecido com o dos convidados da parábola. Por isso, percorreu dioceses, ensinou a doutrina, celebrou com simplicidade e dignidade, e formou sacerdotes santos — os servos que levam novamente o convite do Evangelho ao povo.

São Carlos Borromeu viveu o que o anfitrião da parábola ordena:

“Sai pelas ruas e becos da cidade e traze para cá os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos.” (São Lucas 14,21)


O convite permanece: “Compeli-os a entrar”

A parábola termina com o anfitrião dizendo:

“Compeli-os a entrar, para que minha casa se encha.” (São Lucas 14,23)

Essa frase é um resumo da missão da Igreja: atrair todos para o banquete da vida divina.
Santo Agostinho e Santo Tomás ensinam que Deus convida incessantemente — e a resposta depende da nossa liberdade interior.
São Carlos Borromeu é o modelo de quem não se cansa de convidar, mesmo quando os corações parecem frios ou distraídos.



O banquete é Cristo.
O convite é o Evangelho.
A mesa é a Eucaristia.
E o servo fiel é o pastor que conduz o rebanho à comunhão com Deus.

Neste dia de São Carlos Borromeu, somos chamados a rever se temos dado desculpas ao convite divino, ou se, como os humildes da parábola, respondemos com prontidão e fé.
Que possamos, como o santo bispo de Milão, viver para que a casa do Senhor se encha, e todos encontrem lugar à mesa do Seu amor.


📖 “Feliz aquele que come o pão no Reino de Deus!” (São Lucas 14,15)



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Tomista, dedico-me ao estudo da Filosofia, que pela luz natural da razão nos eleva ao conhecimento das primeiras causas, e da Teologia, a ciência sagrada que, iluminada pela Revelação, a aperfeiçoa e a ordena ao seu verdadeiro fim. Ambas as ciências são para mim os instrumentos para buscar a Verdade subsistente, que é Deus, o fim último para o qual o homem foi criado.

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