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sábado, 21 de março de 2020

Sobre fazer o bem

Não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, se não relaxarmos (Gl 6, 9).

Com estas palavras, São Paulo faz três coisas:

   1. Avisa-nos de que devemos fazer o bem. Pois fazer o bem é um dever, visto que todas as coisas, por natureza, ensinam-nos a fazer o bem.
   (i) Elas assim nos ensinam porque são elas mesmas boas. Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom (Gn 1, 31). Os pecadores têm inúmeros motivos para envergonharem-se entre a multidão das coisas criadas, todas elas boas, ao passo que eles, por si próprios, são maus.
   (ii) Porque todas as coisas, por sua natureza, fazem o bem. Pois toda criatura dá-se a si mesma,¹ e isto é um sinal de sua própria bondade e da bondade de seu Criador. Diz Dionísio: "Deus é o bem que difunde-se a si mesmo". Santo Agostinho diz: "É um grande sinal da bondade divina que toda criatura seja compelida a dar-se a si mesma".
   (iii) Porque todas as coisas, por sua natureza, desejam o que é bom e tendem ao bem. O bem é, na verdade, aquilo por que todas as coisas anseiam.

   2. São Paulo nos avisa que, para fazer o bem, não devemos relaxar. Três são as coisas que mais fazem o homem perseverar no bem agir:
   (i) Oração assídua e de todo coração, para que Deus nos ajude a não cair quando tentados — Vigiai e orai para que não entreis em tentação (Mt 26, 41).
   (ii) Temor incessante. Tão logo um homem sente a confiança de estar salvo, começa a falhar no bem agir — Se não te aferrares firmemente no temor do Senhor, tua casa em breve será destruída (Eclo 27, 4). O temor de Deus é o guardião da Vida; sem ele, de fato é rápida e repentina a destruição da casa, isto é, da morada que é deste mundo.
   (iii) A esquiva dos pecados veniais; pois os pecados veniais são ocasiões dos pecados mortais e frequentemente sabotam a realização de boas obras. Diz Santo Agostinho: "Evitastes perigos grandiosos; cuidai para que os grãos de areia não vos derrubem". E o Eclesiástico (19, 1): Aquele que se descuida das pequenas coisas, cairá pouco a pouco.

   3. São Paulo oferece uma recompensa justa, generosa e eterna: porque a seu tempo colheremos, se não relaxarmos.

   Justa: a seu tempo, isto é, no tempo justo, no dia do juízo, quando cada um deve receber aquilo que conquistou. Assim o lavrador recebe o fruto de seu plantio, não imediatamente, mas no tempo devido — Vede o lavrador: ele aguarda o precioso fruto da terra e tem paciência até receber a chuva do outono e a da primavera (Tg 5 7).
   Generosa: colheremos; aqui está indicada a copiosidade da recompensa. À colheita associamos a abundância — Aquele que semeia em profusão, em profusão ceifará (2Cor 9, 6); será grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5, 12).
   Eterna: colheremos, se não relaxarmos. Devemos então fazer o bem não por uma hora somente, mas sempre e continuamente. Não nos cansemos de fazer o bem, isto é, não nos cansemos de semear, para que não nos cansemos de colher — Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades (Ec 9, 10). E o certo é que não nos cansemos de trabalhar, porque a recompensa que estamos buscando é eterna e infalível. Daí Santo Agostinho dizer: "Se o homem não limitar seu trabalho, Deus não limitará a recompensa".

Sermones, Pars 1, n. 119²

¹ No latim: quaelibet enim creatura dat seipsam.
² Este texto foi erroneamente atribuído a Santo Tomás de Aquino; pertence a Aldobrandino.

O trabalho da vinha

Cerca da terceira hora, saiu ainda e viu alguns que estavam na praça sem fazer nada. Disse-lhes Ele: Ide também vós para vinha e vos darei o justo salário (Mt 20, 3).

Nestas palavras, podemos notar quatro coisas:

1. A bondade do Senhor, que saiu, isto é, a fim de salvar seu povo. Pois que Cristo tenha saído para conduzir os homens para a vinha da justiça foi deveras um ato de infinita bondade.

De Nosso Senhor é dito que saíra cinco vezes. Ele saiu no princípio do mundo, como semeador, a semear suas criaturas — Saiu o semeador a semear a sua semente (Lc 8, 5). Depois, em sua atividade, para iluminar o mundo — até que sua justiça brilhe como a aurora (Is 62, 1). Em sua Paixão, para salvar os seus do poder do demônio e de todos os males — De repente minha justiça chegará, minha salvação vai aparecer (Is 51, 5).

Ele sai como o pai de família, cuidando de seus filhos e de seus bens — O Reino dos céus é semelhante a um pai de família que saiu ao romper da manhã, a fim de contratar operários para sua vinha (Mt 20,1). Por fim, ele saiu para o julgamento, e de três formas: para fazer rigoroso inquérito contra os perversos, como um supervisor; para abater os rebeldes, como um poderoso lutador; e, como um juiz, para punir, conforme seus merecimentos, os criminosos e malfeitores.

2. A estultice dos homens.

Pois nada é mais tolo do que, nesta vida presente, na qual os homens devem trabalhar para que possam viver eternamente, viver na ociosidade — viu alguns que estavam na praça sem fazer nada. Tal praça é esta nossa vida presente. Pois é na praça que os homens discutem e compram e vendem; e, portanto, a praça significa a nossa vida cotidiana, cheia de afazeres, de compras e vendas, e na qual também as perspectivas da graça e da glória celeste são vendidas em troca de boas obras.

Esses trabalhadores são chamados de ociosos porque já deixaram passar uma parte de suas vidas. E não só os malfeitores são chamados de ociosos, mas também aqueles que não fazem o bem. E assim como os ociosos nunca alcançam os seus fins, assim também será com esses. O fim do homem é a vida eterna. Aquele, portanto, que trabalha apropriadamente possuirá aquela vida, se não for um ocioso.

É grande tolice viver sem fazer nada nesta vida; pois da ociosidade, assim como de um mau professor, nós tiramos maus ensinamentos; por ela chegamos a perder o bem que dura para sempre; e pela curta ociosidade desta vida, sujeitamo-nos a uma labuta que é eterna.

3. A necessidade de trabalhar na vinha do Senhor — Ide também vós para vinha.

A vinha à qual os homens são enviados para trabalhar é a vida da bem-aventurança, na qual há tantas árvores quanto há virtudes. Devemos trabalhar nesta vinha de cinco maneiras: plantando nela boas obras e virtudes; arrancando-lhe pela raiz e extirpando-lhe os espinhos, isto é, nossos vícios; podando-lhe os ramos supérfluos — podará todo [ramo] que der fruto, para que produza mais fruto (Jo 15, 2); mantendo distantes dela as raposas, isto é, os demônios; e guardando-a dos ladrões, isto é, mantendo-nos indiferentes ao louvor e à reprovação da humanidade.

4. A utilidade do trabalho.

O salário daqueles que trabalham na vinha é um denário, que vale mais do que mil ciclos de prata. Isto é o que nos ensina a Escritura: Salomão tinha uma videira; [...] cada um devia dar mil siclos de prata pelos frutos colhidos (Ct 8, 11). Os mil siclos de prata são as mil alegrias da eternidade, que são significadas pelo denário.

Sermones, Pars 1, n. 31

A oração de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras

1. Adiantou-se um pouco e, prostrando-se com a face por terra, assim rezou: 'Meu Pai' (Mt 26, 39).

Aqui, Nosso Senhor nos recomenda três condições a serem observadas quando rezarmos:

(i) Solicitude: pois adiantou-se um pouco, separando-se até daqueles que havia escolhido - Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo (Mt 6, 6). Mas note-se que ele não foi muito longe, mas um pouco, para que pudesse mostrar que não estava longe daqueles que o invocam, e também para que o vissem rezando e aprendessem a rezar do mesmo modo.

ii) Humildade: prostrando-se com a face por terra, deu assim um exemplo de humildade. Isto porque a humildade é necessária à oração e porque Pedro tinha dito: Mesmo que seja necessário morrer contigo, ja mais te negarei! (Mt 26, 35). Portanto Nosso Senhor prostrou-se, para mostrar que não se deve confiar nas próprias forças.

(iii) Devoção: ao dizer 'Meu Pai'. É essencial que ao rezar, rezemos com devoção. Ele diz Meu Pai porque ele é singularmente o Filho de Deus; nós som filhos de Deus por adoção somente.

2. 'Se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que Tu queres' (Mt 26, 39)

   Aqui consideramos o teor da oração. Cristo estava rezando de acordo com as sugestões de seus sentidos naturais, isto é, na medida em que sua oração, advogando em favor de seus sentidos, expressava as inclinações de seus sentidos, propondo para Deus, pela oração, que o desejo de seus sentidos sugeria. Ele assim o fez para nos ensinar três coisas:

(i) Que ele tinha assumido uma natureza verdadeiramente humana com todas as suas inclinações naturais.;

(ii) Que é lícito ao homem querer, de acordo com suas inclinações naturais, algo que Deus não quer;

(iii) Que o homem deve submeter suas próprias inclinações à vontade divina. Daí Santo Agostinho dizer: "Cristo, enquanto homem, demonstrou certa propensão pessoal humana quando disse: Afasta de mim este cálice. Isto era inclinação humana, a vontade de um homem e, por assim dizer, seu desejo íntimo. Mas Cristo, por querer ser um homem de coração reto, um homem ordenado a Deus, acrescenta: "Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que Tu queres".

S. Th. Ma, q. 21,a2

   E com isso ele ensina, dando exemplo, como devemos ordenar nossas inclinações para que elas não entrem em conflito com a lei divina. Disso aprendemos que não há nada de errado em nossa repulsa ao que naturalmente repugnante, contanto que alinhemos nossas emoções com a vontade divina.

   Cristo tinha duas vontades: a de seu Pai, porquanto Ele era Deus, e outra, na medida em que Ele era homem. Esta vontade humana Ele submeteu em todas as coisas a seu Pai, dando-nos com isso um exemplo para que façamos o mesmo - Pois desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou (Jo 6, 38).

Super Matth, c. 26, lect. 5